Sem Título Número Dois

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Irei chorar nossa morte
como o amante desiludido que nunca fui,
meu bem. Vestirei preto
e provarei o sal de minhas
lágrimas todas as noites.
Negarei o mundo, sentirei raiva e
uma dor tão real quanto aquela
que senti ao cair
da jabuticabeira retorcida
no quintal de minha vó,
treze anos atrás.
Culparei, então,
o universo, o acaso,
a Deus e ao Diabo,
por todo meu pranto. E quando,
após o meu corpo tiver experimentado
o limbo do mundo,
o sol aquecer minha pele,
aceitarei.
Nos cremarei e preencherei o buraco
que fizestes em mim
com as cinzas, ainda em brasas,
que sobrarem de nós.
E serei livre, meu bem.
Livre.

Avisa-os

titulo

Os poucos desavisados que passam
depois do anoitecer
na avenida de número dois,
se encontram admirados
com os pobres
miseráveis dançarinos de blues. 
Os pobres miseráveis dançarinos
de blues, desavisados,
se encontram admirados
com o amanhecer
que parece chegar cedo demais
todos os dias
depois das cindo.
Já o desavisado amanhecer,
por sua vez, se admira
ao perceber
que ainda existem alguns
tolos suficientes para se admirar
com o blues.

Sem Título Número Um

SEM

Então é isso.
somos o improvável,
meu amor.
E por isso
seremos eternos.
Nosso pranto será flor
nossa dor
será canto.
Seremos como as estrelas.
Queimaremos em luz
até em nossa
morte.

Triângulos

TRI

Sejamos honestos uns com os outros. Tua dor não é maior do que a de ninguém. Engole o teu pranto e faz dele canto. Faz de tuas feridas não cicatrizadas tinta e pinta um céu cor de sangue coagulado como se pertencesse só a ti. Faz do óbito da ordem a tua vitória. Tua voz é tudo o que te resta. então cala o silêncio. 


E grita.

Pacífico?

PACI

Só se nada contra a corrente, aquele que tem a força e a disposição pra chegar ao outro lado. E a maioria não tem, sabe?! Simplesmente não tem. Então você deixa a correnteza te levar. E ela te leva e você vai. E você nunca resiste, por medo de se afogar. Mas tudo bem, porque, afinal, você não está sozinho. A correnteza leva outros. E eles vão. E você vai. Vai até que só sobra você, a espuma e todo o lixo que se acumulou na beira da praia. E tem paz, porque ali é seu lugar. Seu, deles e do lixo. Vocês são todos os outros e todos os outros são um só.

Próxima Estação

0802

Ando lendo bastante esses dias. Lendo e escrevendo. Escrevo em todos os lugares. Tiro o meu caderninho da bolsa e escrevo, escrevo e escrevo. Em casa, na rua, no metro, no bar. “Você costuma escrever sempre?”, “Aham”, “Legal”. Eu acho saudável. Minha psicologa também. A ideia foi dela na verdade. Mas a obra é toda minha. As noites sem dormir também são minhas. O trem é meu. Ele habita a minha cabeça, então é meu. Ele habita a minha cabeça, e nunca para de girar, girar e girar. E sempre apita. Dói quando ele apita. Queria saber beber, mas nasci mais careta do que poeta, então mereço a dor. E deixa ela aí. Uma hora o apito para, a dor sana e as coisas continuam. O trem continua, eu continuo. E a vida segue. Pelo menos até o próximo apito.

Amargo-Barato-E-Com-Pouco-Gelo, por favor.

post

É como mastigar ferro. Essa vida, eu digo. Pesado, duro. Um gosto forte demais para engolir. Mas você tem que engolir, a, se tem! Se não engolir é rebelde e rebelde apanha com o ferro cuspido. Apanha na cara. Prefiro apanhar na cara do que engolir esse ferro frio e sujo e pesado. Prefiro apanhar na cara do que sentir esse gosto imposto. Quero que minha vida seja forte como uma dose de bebida barata. Descerá arranhando e queimando mas me dará prazer e me deixará bêbado. E não preciso mastigar, pois não se mastiga doses de bebidas. Se vira! Se vira, a vida é sua. Apanha na cara e vê se esquece essa rebeldia. Não ouse tomar outra dose. Mas eu ouso. Viro outra dose de rebeldia com pouco gelo pra não aguar. Porque pior do que ferro frio e sujo e pesado, é rebeldia aguada. Apanho de novo. Acho que estou ficando imune a dor. Ou talvez seja só a bebida fazendo efeito.